Olá Henrique,
Sobre as citações por si feitas tive o cuidado de referir que "verá que não
há qualquer contradição entre o
que dizem os historiadores encartados do Reino/República e o que eu afirmei.
Há, sim, uma complementaridade".
O que até se compreende porque esses Historiadores não se vão, naturalmente,
ocupar dos feitos dos nossos
"camponeses e pastores"...
Também nunca disse que foram os Búrios (e, muito menos, a gente de
Vilarinho), a realizar sozinhos todas as façanhas que mencionei.
Como tenho dúvidas que confie nas minhas citações, pois já não confiou
noutras por mim feitas (por exemplo, no caso das sentenças de Tribunal)
achei que era melhor remetê-lo para os autores que tratam do assunto. Mas,
já que mas pede, não tenho qualquer problema em citá-las, no mínimo
indispensável.
Assim, quanto a Valdevez, até me limitei a referir que "ajudámos (às ordens
do normando Gonçalo de
Abreu, descendente dos reis de França, vindo para Portugal com o Conde D.
Henrique, donatário de Brufe, aldeia vizinha de Vilarinho) D. Afonso
Henriques e os seus homens, contra o Reino de Leão".
{Domingos Maria da Silva,
Os Búrios, Terras de Bouro, 1988, pp. 40-43: "Os
Búrios tão firmemente se aguentaram a agricultar as terras bravias das
encostas serranas e a armar ratoeiras às feras com que conviviam de perto,
fojos e covas de lobo, que tão belo efeito estratégico produziram, quando
chegou o momento de as armar em Valdevez, para receber os leoneses na Veiga
da Matança (1139) (..). (...) É geralmente aceite que D. Afonso Henriques
recomendou aos primeiros habitantes do ermitério de Bouro a aceitação do
hábito e regras de São Bernardo (...). Também consta que por aqui passou, a
pedir a protecção da Senhora da Abadia, quando a caminho de Val-de-Vez, para
dirimir pendência que trazia com seu primo Afonso VII de Leão, se fez
acompanhar, entre os seus homens de armas, pelos habitantes destes montes.
Assim o faz crer a participação que teve nesse recontro o progenitor dos
Abreus da Grade, com a sua intervenção estratégica, inspirada na caça às
feras, as covas de lobo, que tão eficientes se mostraram para atrair o
adversário".
E, ainda, A. Lopes de Oliveira,
Terras de Bouro, Edição da Câmara Municipal
de Terras de Bouro, s/d, p. 28: "A origem do seu nome [Brufe] parece vir do
topónimo Berulfi (genitivo germânico) que significa lobo. Foram seus
donatários os Abreus (Gonçalo Mz. de Abreu, normando, descendente dos reis
de França e que veio para Portugal com o Conde D. Henrique). Ficou
conhecido, depois, pelos Abreus da Grade, por D. Gonçalo ter participado no
torneio de Val-de-Vez, na Veiga da Matança, e preparado o estratagema de
cobrir com grades o fosso onde caíram os inimigos"}.
A referência que o Henrique faz ao apoio que o Abade de Bouro, com os seus
homens, deu a D. João I, no episódio da Portela do Homem, que até fica em
terrenos de Vilarinho, só confirma o que eu disse. Nunca afirmei que foi a
gente de Vilarinho a única heroína desse feito. No já referido livro de
Domingos Maria da Silva, pp. 43-44, pode ler-se: "Assim o confirma, com toda
a segurança, a intervenção do Dom Abade de Bouro, capitão-mor dos seus
coutos, quando nas guerras da independência esperou com os seus homens os
castelhanos na fronteira da Portela e lhes infligiu derrota completa. Igual
procedimento teve o que então era Abade do mosteiro de Bouro, nas guerras
da Restauração e Aclamação, assim como o governador das armas da Portela de
Homem, Vasco de Azevedo Coutinho, fronteiro-mor da mesma praça, que defendeu
abnegadamente com os seus homens". (Cf. tb. D. Luís de Menezes, 3º Conde da
Ericeira,
História de Portugal Restaurado, pp. 236-244, e muitos outros).
Estranho que o Henrique desconheça a intervenção que a gente daquela zona
teve na Guerra da Restauração, quando foi em 1640 que se destruíram as
pontes romanas da Albergaria e de S. Miguel, entre outras, por ordem de "D.
Gastão Coutinho, general do Minho, a requerimento do povo, para evitar as
surpresas dos Galegos, durante a guerra da Restauração" (Manuel de Azevedo
Antunes,
Vilarinho da Furna - Uma Aldeia Afundada, A Regra do Jogo, Lisboa,
1985, p. 11. Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno, tb fala do assunto),
destruição essa paga pela gente de Terras de Bouro, quando está em curso, no
PNPG, a elaboração do processo para apresentação da Jeira a Património da
Humanidade, com uma substancial intervenção na Ponte de S. Miguel. Tb falo
dela, com fotografia das ruínas e tudo, no meu livro
Vilarinho da Furna -
Memórias do passado e do futuro, CEPAD/ULHT, Lisboa, 2005, p. 153.
Certamente não foi com os "meninos de coro" do Mosteiro que o(s) D. Abade(s)
de Bouro organizaram a defesa da fronteira, como se pode ver pelas actas das
Inquirições de 1220, de 1258 e de muita outra documentação: "Basta um golpe
de vista pelas Inquirições para se reconhecer a importância que já então se
ligava à defesa da Portela do Homem. Correndo as actas, fica-se, na verdade,
surpreendido com o cuidado com que aquela defesa estava prevista. Pode
dizer-se que, em caso de perigo, toda a população oriental do Bouro acorria
à Portela. Assim, a frase corrente, na maioria das actas de 1220, é: ...
vadunt... custodire castellum et Portellam de Homem in tempore guerra"
(Costa Veiga, "O Julgado do Bouro, a Fronteira da Portela do Homem e o
Castelo de Bouro em Documentos Medievais", in
Terras de Bouro - O Homem e a
Serra, Câmara Municipal de Terras de Bouro, 1992, p. 113).
Mas a nossa gente esteve também com a defesa da Pátria aquando das invasões
francesas. Para aguçar o apetite sobre o tema, refiro só, por enquanto, que
essas invasões, além de provocarem o reforço da fronteira, foram um pretexto
para a destruição da segunda maior Fábrica de Vidros portuguesa, no
princípio do séc. XIX, a "Real Fábrica de Vidros de Vilarinho da Furna". Se
essa fábrica tivesse continuado, hoje não teríamos um único carvalho na Mata
da Albergaria!
Para quem o desejar, poderei, depois, desenvolver melhor essa história.
Esta obrigação da gente do actual "concelho de Terras de Bouro e do extinto
concelho de Santa Marta de Bouro, assim como dos antigos Coutos de Souto e
do mosteiro de Santa Maria de Bouro" (Domingos Maria da Silva,
A Fronteira
da Portela do Homem e os Privilégios de Terras de Bouro, Braga, 1984, p. 5)
de defender a fronteira, sob o comando do Abade do Convento de Bouro, tinha
como contrapartida o "privilégio" de os seus mancebos não participarem no
exército do reino. "Privilégio" esse que perdurou até 1834, altura em que o
Ministro Joaquim António de Aguiar, mais conhecido por "Mata Frades",
extinguiu as Ordens Religiosas, Convento de Bouro incluído. Há muita
documentação sobre isso. Em síntese, do referido livro de Domingos Maria da
Silva, que publica textos da Colecção pombalina, transcrevo, p. 7: "Dizem os
moradores e mais off.es das Camaras do Conc.lho das terras de Bouro e do
Couto de Santa Marta do Bouro e do Couto de Souto que por privilegios m.to
antigos e do tempo do Senhor Rey Dom Dinis, confirmados por todos os mais
Senhores Reys deste Reyno, até ao Senhor Rey Dom João V, foram sempre os
moradores das terras do Bouro isentos não só de poderem ser alistados para
soldados, nem fazerem se estes dentro das ditas terras, mas tambem de
contribuições com cousa alguma de sua fazenda p.a as guerras, nem hirem
servir nellas, ou em aduas, nem com mantimentos; e isto por contrato oneroso
em razão de se obrigarem a defender à sua propria custa a Portella d'Homem,
q. fica na Arraya de Castella, distante quase huma legoa de Galliza e por
onde era mais facil a invasão do inimigo ao tempo de guerra, cujos
Privilegios lhes tem sido sempre mandados observar tanto por sentenças como
por m.tos Alvarás e Provisoens do Conselho de Guerra e Junta dos Tres
Estados (...)".
Quanto à propriedade de 1792,44 ha (sem contar os direitos de usufruto em
cerca de 1000 ha) nas serras Amarela e Gerês, de pessoas de Vilarinho da
Furna (calculados pelo Sistema de Identificação Parcelar 2005-2006, do
IFADAP-INGA, e confirmados, por SIG, pela excelente equipa do PNPG que
elaborou para a AFURNAo projecto do Plano Zonal, em 2005), nada tem a ver
com as efabulações que o Henrique aqui veio tecer.
O Henrique continua a confundir baldios (terrenos comuns) com terrenos
individuais usados comunitariamente, como é no caso do Monte de Vilarinho,
resultantes de antigos forais. Por isso é que, para além das sentenças
contra o Estado português (PNPG incluído) temos sentenças de habilitação de
herdeiros e até habilitações notariais resultantes de testamentos. Se não
acreditar em mim, faça favor de telefonar aos seus colegas do PNPG, porque
qualquer um lhe explica isso, inclusive o Sr. Director, pois, como já disse,
fizeram para a AFURNA um excelente projecto, só depois de provarmos os
direitos de propriedade privada sobre os referidos terrenos.
E, ao contrário do que possa pensar, não andamos a tentar "sacar dinheiro
aos contribuintes e à administração central
ou reivindicar pretensos direitos de propriedade e usufruto, como é o caso".
A AFURNA até já recusou um projecto de cerca de trinta mil contos, que nos
foi feito pelo PNPG, na sequência de uma sentença de Tribunal que já referi
na AMBIO, requerendo ao IFADAP para não aprovar tal projecto, tão mal feito
ele estava. E o IFADAP deferiu esse requerimento, não aprovando o referido
projecto. Penso que deve ser caso único em Portugal, para não dizer no
Planeta. Enviei, em tempo oportuno, informação ao ICN, julgo que até
dirigida ao Henrique, na altura Vice-Presidente.
Não tenho qualquer problema em publicar na NET as sentenças sobre essa
propriedade. Mas o ICN tem conhecimento delas, pelo menos das mais
importantes. Estão também publicadas e/ou referenciadas no meu livro
Vilarinho da Furna - Memórias do passado e do futuro, juntamente com outras
documentação. Por isso, para não massacrar os outros colegas da AMBIO e
melhor as contextualizar, prefiro enviar-lhe um exemplar desse livro. Leia-o
e, depois, voltamos a conversar sobre isso.
Até porque o meu amigo Miguel Araújo já deve estar danado comigo (e tem
razão) por nunca mais responder às questões que ainda por aí andam
pendentes. Desculpa lá, Miguel, esta deambulação pela história, mas, desta
vez, a culpa também é do Henrique...
Quanto ao Tude de Sousa, apesar de tratar as pessoas de Vilarinho da Furna
por "rudes" e coisas do género (já estamos habituados), em tudo o que se
refere a Vilarinho e algumas outras povoações que eu conheço melhor, é
absolutamente rigoroso. Confesso que aumentou a minha estima e consideração
por este autor quando, recentemente, conheci a sua biografia e outros livros
da sua autoria, que nada têm a ver com o Gerês.
Relativamente a José Hermano Saraiva, pelos documentários que já fez sobre
Vilarinho e Terras de Bouro (o último passou na RTP2 em Janeiro passado,
essencialmente sobre os Búrios e a Jeira, e obtive-o no dia 14 deste mês)
tem sido, quanto é possível saber-se no estado actual da ciência,
absolutamente impecável.
Cumprimentos.
Manuel Antunes
----- Original Message -----
From: "henrique pereira dos santos" <
as1075017@sapo.pt>
To: "'Manuel Antunes'" <
mantunes@mail.telepac.pt>; "'AMBIO'"
<
ambio@uevora.pt>; <
minescabral@gmail.com>
Sent: Saturday, March 24, 2007 6:19 PM
Subject: RE: [ambio] beneficios do PNPG
Caro Manuel Antunes,
Aqui o paisagista ignorante citou documentos e transcreveu-os. O Manuel
Antunes, que terá lido muito mais que eu, terá com certeza toda a facilidade
em rebater o que eu disse, quer sobre o bafordo de Arcos de Valdevez, quer
sobre a emboscada da Portela do Homem, quer sobre a guerra da restauração.
Portanto, como não tenho nenhuma dúvida em aceitar que digo asneiras (que
aliás foi o que fiz em relação à água do Fastio, sem mesmo me dar ao
trabalho de fazer qualquer confirmação do que diz, fiando-me apenas na sua
palavra), gostaria imenso de saber com que factos, descritos em que
documentos ou concluídos a partir de que estudos, posso aprender mais sobre
o assunto.
É que as perguntas estúpidas geram muitas vezes respostas inteligentes, mas
neste caso não tive resposta nenhuma às minhas questões que admito que
possam ser estúpidas.
A não ser a da posse da terra, mas escuso de explicar o que se passa com o
IMI das propriedades rústicas (como de maneira geral com a fiscalidade da
propriedade rústica) para fundamentar qualquer discussão de propriedade
sobre os terrenos.
Sugiro talvez para acabar todas as dúvidas que no seu blog, ou no site da
afurna transcreva (hoje é fácil com um scaner) integralmente as várias
sentenças dos tribunais, porque assim se acabaria, com certeza, com qualquer
dúvida.
Mas antes disso explique-me de forma clara e linear uma questão que eu não
consigo perceber de todo:
Se os montes eram propriedade dos moradores de Vilarinho (penso que aí
concordamos), se essa propriedade se materializava no direito de usufruto,
se quando alguém saía de Vilarinho perdia esse direito de usufruto, ou
quando alguém se fixava em Vilarinho entrava na sua posse, como é que essa
posse se mantém quando não há moradores? Não é uma questão de direito ou de
tribunais, é mesmo uma questão de concepção sobre o direito de propriedade
das terras comuns (quer seja na versão de baldios, quer seja na versão
propriedade privada de moradores, quer seja na versão de baldios municipais,
etc.). Eu não tenho ideia de que haja um só testamento em que alguém deixe a
sua parte do monte comum a um filho que estivesse fora de Vilarinho, mas se
houver eu gostaria de saber como posso consultar esse documento que teria
para mim muito interesse.
Quanto às áreas protegidas:
Estou de acordo consigo, as áreas protegidas não são necessárias, há muitas
outras maneiras de obter o que se pode obter com as áreas protegidas.
O que é curioso é como em todo o mundo se chegou à conclusão de que uma das
formas mais eficientes de obter o que se obtém com as áreas protegidas (no
essencial, a conservação de um património comum) é mesmo designando áreas
protegidas. E mais, na grande maioria dos casos, com tempo, chega-se mesmo à
conclusão de que a mera conservação desse património comum constitui uma
mais valia económica directa dos territórios onde existem, com reflexos
significativos nas economias locais (o que é óbvio no PNPG, quer no preço
dos terrenos e casas, cujo o diferencial de preço face à envolvente mede o
valor atribuído pelo mercado à possibilidade de ter uma casa numa área
protegida, quer no êxito de um conjunto alargado de iniciativas económicas,
quer ligadas ao turismo, quer ligadas a produtos que incorporam na sua
imagem a expectativa positiva do mercado face à proveniência de uma área
protegida).
Negar isto é uma opção mas suspeito que é uma opção não sustentada em nenhum
estudo.
Posto isto estou inteiramente disponível para admitir que a valorização
económica desse património comum tem enormes dificuldades em Portugal e está
abaixo das expectativas quer das populações locais, quer de todos os outros.
Quanto a sua disponibilidade (suponho que não é uma ameaça) para discutir o
assunto em tribunal, confesso que não faz o meu género: eu estou aqui apenas
a conversar, mais nada.
henrique pereira dos santos
PS Quer Tude de Sousa (que tem escritos interessantíssimos), quer todos os
anteriores em cronologia não são inteiramente fiáveis. Fornecem pistas
interessantes, mas a historiografia da época era muito fantasista (e no caso
de Tude de Sousa, nem sequer de historiografia estaremos a falar). Quanto ao
moderno José Hermano Saraiva poupe-me: umas histórias fantásticas, programas
interessantíssimos, capacidade comunicativa no zénite, mas rigor histórico
pelas ruas da amargura, como bem sabe.